Alterações representam um grande avanço, pois solidificam e dirimem diversos pontos que geram litígios tributários
O Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 124/2022 é fruto do trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas, presidida pela ministra Regina Helena Costa, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), formada para elaborar anteprojetos legislativos, com objetivo de unificar, dinamizar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional.
O referido projeto dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária e, dentre seus diversos dispositivos que pretendem alterar o
Código Tributário Nacional (CTN), trataremos, especificamente, daqueles relacionados à aplicação de multas.
O primeiro deles, qual seja, o que acresce ao CTN o art. 113-A, propõe a limitação das multas por descumprimento de obrigações principais e acessórias ao “valor do próprio tributo lançado ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo sujeito passivo”. Além disso, dispõe que as multas qualificadas (aquelas majoradas em razão da configuração de dolo, fraude, simulação sonegação ou conluio) não poderão ser superiores ao dobro da multa originalmente aplicada.
Verifica-se que a inclusão de tais previsões no CTN são extremamente necessárias, haja vista que é recorrente, principalmente em âmbito estadual, a fixação de multas que ultrapassam, em muito, o valor do crédito tributário exigido. Sem contar que garante, finalmente, a aplicação dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do não-confisco em matéria tributária, que regem (e sempre deveriam reger) as ações da
Administração Pública.
Contudo, chama atenção um ponto que não foi objeto de proposição, que é a possibilidade de fixação de multas por informações incorretas em declarações, arquivos magnéticos e/ou escrituração nos casos em que for possível a retificação, mesmo após início de fiscalização.
Atualmente, o contribuinte que comete um equívoco no preenchimento das obrigações acessórias e realiza a retificação está sujeito à aplicação de multas, muitas vezes superiores ao valor do próprio tributo, quando não vinculadas ao valor da operação do contribuinte. Na esfera federal, a título de exemplo, a penalidade é de 3% (três por cento) sobre valor de tributo omitido, inexato ou incorreto prestado na declaração, independentemente da existência de dolo (art. 8º-A, II, do Decreto nº 1.598/1977).
A recorrência da matéria no Judiciário culminou na afetação do tema para análise em sede de repercussão geral pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) sob o n. 487, o qual, inicialmente, contou com o voto do relator, ministro
Luís Roberto Barroso, que propôs a fixação da seguinte tese: “A multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% (vinte por cento) do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco”. Contudo, ainda não foi encerrado o julgamento, em razão de pedido de vista formulado por um dos ministros da Corte.
Nesse sentido, além de ser necessário fixar um teto para esse tipo de penalidade, também é salutar que haja abertura para autorregularização, pautada em conduta colaborativa entre Fisco e contribuinte, e não mais meramente punitiva.
Outro ponto do projeto que chama a atenção é a alteração da redação do artigo 138 do CTN, que prevê, em linhas gerais, que a denúncia espontânea da infração, acompanhada do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, se for o caso, afasta também a multa de mora.
Tal alteração, caso concretizada, representará grande vitória do contribuinte, pois a despeito de ser pacífico na jurisprudência do STJ (REsp nº 1.149.022/SP) que a denúncia espontânea tem o condão de afastar a multa de mora, é recorrente a exigência da referida multa pelo fisco no momento da formalização da denúncia espontânea, o que acaba gerando contencioso administrativo e/ou judicial exclusivamente para se discutir a indevida exigência da multa de mora.
Entretanto, merece crítica o fato da proposta de alteração do referido artigo 138 nada tratar sobre as obrigações acessórias, para as quais, atualmente, não se admite a denúncia espontânea (ex. REsp 1.618.348/MG; AgInt no REsp 1.867.756/SP) e cujas multas aplicáveis, como relatado acima, podem representar vultosas quantias, mais onerosas que o próprio tributo.
Outrossim, de forma muito bem-vinda, insta destacar a previsão de aviso amigável para autorregularização, constante no artigo 139-A, cujo objetivo é incentivar o contribuinte para que, antes da lavratura do auto de infração, pague o tributo ou cumpra as obrigações acessórias.
Contudo, pela locução “deverá priorizar” empregada na redação proposta do art. 139-A, observa-se uma faculdade na adoção de tais procedimentos pelo fisco, ao passo que, para contribuir efetivamente com redução dos litígios tributários, é imprescindível que sua aplicação seja mandatória, pois caso contrário, se colocará em xeque o espírito cooperativo.
Por fim, urge mencionar a proposta de inserção dos parágrafos 2º e 3º no artigo 142 do CTN que, em síntese, passam a prever que nos lançamentos de tributos com exigibilidade suspensa, realizados para prevenir decadência, não será cominada multa de ofício ou multa de mora.
Essa é outra alteração que, caso aprovada, contribuirá muito para redução dos litígios tributários, pois embora o STJ de longa data possua jurisprudência estável (ex. REsp 774.739/RJ) no sentido de ser incabível a exigência de multa de ofício ou multa de mora na hipótese de lançamento para prevenir decadência, é comum o fisco exigir tais multas, obrigando o contribuinte a recorrer ao Poder Judiciário.
Portanto, verifica-se que as propostas de alterações do CTN em matéria de multas tributárias, veiculadas no PLP nº 124/2022, representam um grande avanço, pois solidificam e dirimem em nível legal diversos pontos que são recorrentes geradores de litígios tributários. Todavia, entende-se que é necessário complementar a proposta de alteração, para tratar de outros relevantes aspectos em matéria de multas que afligem os contribuintes, como é o caso das multas por descumprimento de obrigações acessórias.