quarta-feira, 22 de junho de 2022

Possíveis impactos do julgamento no STF sobre a Cide em remessas ao exterior

Precedentes vêm convergindo para posição intermediária de incidência quando 
há transferência de tecnologia




Embora tenha sido retirado da pauta prevista para maio, espera-se que, nos próximos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) inicie o julgamento de um dos temas tributários mais esperados por empresas que atuam no mercado internacional: será analisada a constitucionalidade da Contribuição sobre a Intervenção no Domínio Econômico (Cide), em sua modalidade conhecida como “Remessas”.

O Recurso Extraordinário nº 928.943/SP, escolhido como leading case para o Tema 914 da Repercussão Geral, foi interposto pela Scania e visa a afastar a incidência da Cide sobre as remessas efetuadas à sua matriz, domiciliada na Suécia, destinadas à importação de tecnologias industriais e ao custeio de pesquisa e desenvolvimento.

Ao reconhecer a questão constitucional subjacente à discussão, o relator, ministro Luiz Fux, indicou que o exame a ser realizado pelo STF deverá basear-se na “delimitação do perfil constitucional da contribuição sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior”.

A análise que será enfrentada pelo Supremo é ampla e comporta diversos aspectos controvertidos do ordenamento jurídico-tributário. Isso porque não apenas a materialidade da Cide foi progressivamente se distanciando da matriz constitucional pelas inúmeras emendas à Lei 10.168/00, como também, na prática, as autoridades fiscais ampliaram a sua hipótese de incidência para cobrança da contribuição sobre, virtualmente, todas as remessas ao exterior.

Vale relembrar que, originalmente, a Cide foi instituída em um contexto de esforços do governo federal para estimular a ascensão do Brasil no mercado global enquanto potência econômica emergente[1].

Uma das frentes que foi considerada como essencial para essa expansão político-econômica foi o desenvolvimento da tecnologia nacional. Os dados fornecidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) à época já revelavam a dependência brasileira de tecnologias estrangeiras[2] — já que a sua importação era significativamente desproporcional ao avanço da tecnologia brasileira.

Assim, com o intuito de emancipar o Brasil no campo científico e tecnológico, foi criado o “Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação” pela Lei 10.168/00, cuja forma de custeio seria, principalmente, a Cide.

Nesse sentido, a Cide onera as remessas ao exterior pela transferência de tecnologia estrangeira (no percentual de 10%), de modo a (i) incentivar a aquisição de tecnologias nacionais, por sua desoneração da contribuição; e (ii) arrecadar recursos para custeio de projetos de pesquisas científico-tecnológicas de universidades brasileiras e outras instituições privadas.

Entretanto, a contribuição que tinha um escopo extrafiscal de desincentivo da transferência de tecnologias de outros países ao Brasil gradualmente passou a incidir sobre os mais variados tipos de contrato. Entre alguns exemplos elencados na Lei 10.168/00, temos o licenciamento de marcas e patentes, royalties, serviços técnicos, códigos-fonte de software etc.

Na prática fiscalizatória, observamos a exigência da Cide em casos ainda mais singulares, em que as autoridades fiscais federais argumentavam pela sua incidência em contratos de licença de direitos autorais de obras literárias, audiovisuais, serviços administrativos (back office), comercialização de software, entre tantos outros que envolviam simplesmente um objeto especializado.

O senso comum adotado entre as autoridades passou a ser, então, que a “transferência de tecnologia” estrangeira seria elemento prescindível à incidência da Cide. Mais do que isso, chegou-se a concluir que a contribuição “deve penalizar a utilização interna (em todas as suas vertentes) da tecnologia desenvolvida no exterior”, nas palavras do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o Recurso Especial nº 1.642.249/SP.

Reduzir a Cide a uma “penalização” aos contribuintes não apenas contraria uma série de princípios da ordem tributária (como a natureza das contribuições, o não confisco e a isonomia)[3], como também desconsidera que, no Brasil, as tecnologias estrangeiras servem muito mais como um “insumo” pronto destinado à prestação de serviços e fabricação de mercadorias do que efetivamente são absorvidas para implementação local.

Por todas essas razões, os tópicos incluídos no Recurso Extraordinário n.º 928.943/SP deverão ser examinados por uma perspectiva abrangente, de modo que a sua conclusão reflita não apenas os aspectos jurídicos-tributários inerentes ao debate, mas também a realidade operacional das empresas brasileiras que atuam internacionalmente.

A nosso ver, existem três desfechos possíveis que podem ser adotados pelo STF, considerando seus posicionamentos recentes em matérias tributárias:a inconstitucionalidade total da Cide;
a constitucionalidade da incidência da Cide, mas apenas nos casos em que há transferência de tecnologia (essa seria uma posição intermediária);
a constitucionalidade da incidência da Cide sobre toda e qualquer remessa ao exterior.

Além das evidentes preocupações envolvendo a terceira alternativa indicada acima, assinalamos que, caso o STF opte por adotar uma posição intermediária, será importante que sejam devidamente abordados os parâmetros para definição de “transferência de tecnologia” — evitando-se que o cenário novamente recaia em uma incidência irrestrita e distorcida da Cide.

Na prática, temos observado que os precedentes mais recentes vêm convergindo para essa posição intermediária[4], embora não tenham lançado uma possível conceituação para o que constitui a “transferência de tecnologia” enquanto fato gerador da Cide. De qualquer modo, essa hipótese tem ganhado cada vez mais destaque no Judiciário.

Para tanto, parece-nos que será necessário delinear critérios prospectivos, que considerem as novas formas de tecnologia que surgirão nos próximos anos, bem como as características contratuais que estão presentes quando há a absorção de um conhecimento técnico.

Ademais, será necessário designar o órgão que será responsável pela análise em cada caso, definindo-se a competência para verificar em cada um se há, ou não, transferência de tecnologia e se recairá sobre o INPI, a Receita Federal ou, ainda, se essa competência será de outra autoridade.

De qualquer modo, a manifestação do STF sobre o assunto é bastante aguardada e, a depender do resultado do julgamento, poderemos ter uma sensível diminuição na carga tributária incidente sobre diversas remessas feitas ao exterior.


ANA CAROLINA CARPINETTI – Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, MBA pela FGV-SP, graduada em Direito pela USP. Coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP de Tributação na Era Digital do Século 21. Sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
VICTORIA PUPERI DA ROSA – Pós-graduanda em Direito Tributário pela FGV-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP de Tributação na Era Digital do Século 21. Advogada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

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