quarta-feira, 22 de junho de 2022

De olho na OCDE, governo acena com mudanças em regras de preço de transferência

Alterações anunciadas pela Receita Federal devem afetar de forma direta as multinacionais




Em mais um passo em direção à entrada na OCDE, o governo brasileiro anunciou que estuda alterar as regras de preço de transferência praticadas no país. O anúncio, feito no último dia 12, aponta para um sistema que leva em consideração a situação específica de cada operação, em oposição ao atual modelo com base em margens fixas.

As alterações anunciadas pela Receita Federal, em apresentação feita em conjunto com representantes da OCDE, devem afetar de forma direta as multinacionais. Isso porque o preço de transferência é uma forma de calcular a tributação incidente em operações internacionais envolvendo partes relacionadas.

Um dos objetivos com o cálculo do preço de transferência é evitar a redução indevida das bases de cálculo em operações entre partes ligadas, como controladas ou coligadas. Exemplo desse processo seria, por exemplo, a manipulação de preços tendo como objetivo a transferência de lucro a países com tributação favorecida.

Há, ainda, uma face concorrencial atrelada ao preço de transferência. Ele garante que empresas atuem em pé de igualdade, garantindo que operações semelhantes sejam tratadas de forma equânime, independentemente de serem praticadas entre companhias relacionadas.

“O que a regra do preço de transferência vai perguntar é: se essa venda não fosse entre partes relacionadas, qual seria o valor efetivo?”, resume o advogado Luís Flávio Neto, diretor e coordenador do mestrado profissional em Direito Tributário Internacional e Comparado do IBDT e sócio do KLA Advogados.

Para o cálculo do IRPJ e da CSLL nesses casos, a legislação brasileira prevê que o contribuinte escolha entre os métodos de preço de transferência disponíveis. Atualmente são dez métodos: cinco para a importação e cinco para a exportação. Para a venda para fora do país, por exemplo, o método mais utilizado é o Preço de Revenda menos Lucro (PRL), por meio do qual o contribuinte calcula o valor da operação através da relação entre o preço de revenda dos bens e uma margem de lucro pré-definida.

A OCDE, por outro lado, recomenda a utilização de um princípio batizado de “arm’s length”. A metodologia prevê que o preço de transferência seja determinado através do comparativo com operações semelhantes praticadas por partes independentes. A ideia é que seja possível chegar ao valor da operação caso ela fosse praticada por empresas não ligadas.

O modelo brasileiro é considerado como mais simples em comparação ao sistema da OCDE. Por outro lado, especialistas apontam que sua utilização leva a resultados descolados da realidade com maior frequência, o que pode gerar a dupla tributação ou a dupla não tributação.

Por esse aspecto, a alteração no método de cálculo dos preços de transferência é vista como fundamental para que o Brasil consiga entrar na OCDE. “A OCDE já se manifestou em mais de uma situação dizendo que sem esse alinhamento a nossa ascensão à entidade não seria possível”, diz Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, diretora da ABDF e professora de Direito Tributário do Insper. “Se o mundo inteiro aplica arm’s length e o Brasil não, porque o Brasil aplica margens fixas, há um risco de ou se ter dupla não tributação ou dupla tributação. Para a OCDE, do ponto de vista tributário, o Brasil estaria descolado demais com o resto do mundo”, completa.

“O Brasil sempre procurou alcançar o princípio arm’s length, mas durante muitos anos nós enfatizamos a praticabilidade das margens pré-determinadas. E nesse momento o que o Brasil faz, ao caminhar para o padrão OCDE, é dar menos peso à praticabilidade, mas alcançando alguns benefícios que o padrão OCDE nos traz”, diz Luís Flávio Neto.
Projeto de lei

A apresentação realizada no dia 12 teve justamente por escopo apresentar a pretensão do Brasil de se alinhar ao modelo praticado pela OCDE. As alterações, porém, não passam apenas por mudanças infralegais a serem promovidas pela Receita Federal. É necessária a aprovação de uma lei, e ainda não há data para o envio do projeto ao Congresso. Segundo a coordenadora-geral de Tributação da Receita Federal, Cláudia Pimentel, ainda será necessário ouvir representantes dos setores impactados pela mudança.

A principal alteração, entretanto, seria a extinção das margens fixas. “Para essas transações que estão no escopo das regras de preço de transferência, a base tributável deve ser mensurada considerando os termos e condições que seriam aplicáveis caso essa transação fosse conduzida entre partes independentes”, afirmou Pimentel no dia 12.

Além disso, segundo ela, não ficaria mais a cargo do contribuinte escolher o melhor método de preço de transferência, e haveria uma ampliação do escopo da tributação em relação ao que é praticado hoje no Brasil. “Hoje nossa legislação só trata de importação, exportações e empréstimos, e a nova legislação vai se aplicar a qualquer transação conduzida entre partes relacionadas”, disse.

Segundo foi explicado na apresentação, a nova legislação sobre preço de transferência traria primeiramente uma “parte geral”, com a definição do que seriam partes relacionadas e em quais situações é obrigatória a utilização dos preços de transferência. Além disso, a ideia da Receita é que a nova norma traga elementos que permitam a “delineação da transação”.

“Hoje a nossa legislação assume a transação conforme formalmente é apresentada pelo contribuinte. [A nova legislação] tem esse passo inicial de delineamento da transação, onde se verificam os fatos e circunstâncias da transação e os aspectos economicamente relevantes para que tenha um contorno real da transação praticada. Esse delineamento considera os termos contratuais, as funções, ativos e riscos exercidos pelas partes na transação, características dos serviços envolvidos, circunstâncias econômicas do mercado onde aquela transação ocorre e estratégias de negócio”, disse Pimentel.

Ainda segundo a Receita, a nova normativa traria uma “parte especial”, abrangendo tipos específicos de operações, como reorganizações societárias, commodities, operações financeiras e intangíveis. Em relação ao último ponto, os presentes na apresentação deixaram claro que a ideia é fechar o cerco aos intangíveis, que hoje podem “fugir” às regras de preço de transferência brasileiras.

Intangíveis são bens incorpóreos, como marcas ou o know how para produção, sobre os quais há uma subjetividade muito grande, sendo ainda mais complexa a tarefa de encontrar preços praticados entre empresas independentes que possam ser considerados comparáveis.

“Vamos imaginar que uma empresa no Brasil desenvolva ou crie um intangível que seja único, talvez seja um software que não custe tanto para ser produzido mas tenha muito valor comercial e pode gerar lucros muito maiores do que o custo de produção. Segundo a legislação atual, o único método possível seria o das margens fixas, e isso acaba levando as empresas a transferirem esse lucro para uma subsidiária em outra jurisdição”, afirmou no dia 12 o consultor fiscal sênior do Centro para Política e Administração Fiscais da OCDE, Tomas Balco.
Safe harbours

Apesar da longa apresentação no dia 12, especialistas ainda apontam dúvidas quanto às novas regras de preço de transferência. Há questionamentos, por exemplo, em relação à aplicação dos chamados “safe harbours” pelo Brasil. O mecanismo cria situações que contam com regras especiais relacionadas ao cálculo dos preços de transferência.

É possível criar “safe harbours”, por exemplo, para setores específicos, para determinadas atividades ou para tipos ou valores de operações. Não há clareza, porém, da extensão de utilização do mecanismo pelo Brasil.

Outro ponto apresentado por especialistas diz respeito à abertura da Receita Federal para dialogar com os contribuintes sobre os cálculos de preços de transferência. Isso porque, frente à complexidade do cálculo conforme defende a OCDE, em outros países é possível alinhavar com a administração tributária previamente.

“Uma coisa que existe muito lá fora em função da complexidade da aplicação dessas regras é a possibilidade de o contribuinte se antecipar, bater na porta do seu fisco e falar ‘eu queria fazer um acordo prévio com você, eu quero que você analise a minha operação e nós vamos combinar antecipadamente como vamos aplicar as regras de preço de transferência’”, afirma Ana Carolina Monguilod.


Por fim, um elemento que joga contra a aprovação pelo Congresso de uma norma de tamanha complexidade é o fato de 2022 ser um ano eleitoral. A especificidade pode fazer com que, pelo menos no curto prazo, as mudanças no preço de transferência fiquem apenas no campo das ideias e estudos.


BÁRBARA MENGARDO – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo.

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